sexta-feira, 24 de julho de 2009

O HOMEM DO REALEJO

O homem do realejo
Tirou minha sorte
Fez pose de forte
Porque eu não quis pagar
a papeleta que dizia
que "minha namorada não era de fé
Que vivo à-toa no mundo
que sou um vagabundo
que não ganha nem pro café".
Dizia também, que ela
Não abriria a janela
Quando eu começasse a cantar
Que a lua iria embora,
Que raiaria a aurora
antes de eu terminar".

Se isso é profecia
Que ingratidão
Também dizia
que quebraria o meu violão
(na minha cabeça) - breque
Que além de magoado,
eu ficaria quebrado
estirado no chão...

Hoje, eu lembro
Que triste sorte
Toda vez que vejo
Com a mesma pose de forte
O homem do realejo

sábado, 18 de julho de 2009

A vida é uma beleza, mas não é um paraíso

Quinta-feira, dia 16 de julho, tive uma noite maravilhosa. Era aniversário da matriarca da família. Minha mãe, Maria do Carmo Lopes do Nascimento. É uma história de vida comum, como a de todos esses pobres brasileiros do interior, mas feliz apesar de/ou graças ao jeito da nossa família ser e viver. Minha mãe era e foi, sem dúvida, a grande mulher na vida de meu pai. Esteve com ele, na alegria, na tristeza, na saúde, na doença, a cada minuto, a cada momento, em que ele esteve vivo. Com a morte do meu pai, muito embora todos os nove filhos tivessem mais de trinta anos e fossem quase todos casados, minha mãe passou a ser mãe-e-pai, a quem todos sempre sondavam, para ter certeza que podiam fazer o que queriam, sem lhe consultar. Um ou outro, num momento de audácia injustificada, acabava por arrumar uma boa desculpa para si mesmo, sempre que fazia qualquer coisa que a pudesse contrariar.

Ela sempre nos prendeu às barras da sua saia, não só pelo respeito que nos ensinou a ter pelos mais velhos, mas pela disciplina como nos criou. E mesmo assim sempre nos manteve completamente livres para pensar e agir. Sabia que os filhos são postos ao mundo e que os pais não são donos deles. Assim, cada um seguiu seu destino ao prazer de seus sonhos, desejos e decisões próprias. Aí, a saudade, a carência dos afagos protetores, da comidinha da mamãe, nos prendiam à barra da sua saia mesmo a distância, tanto quanto mais longe estivéssemos. Aprendi assim que a liberdade é a mais doce e justa forma de prisão. E cobra seu preço, como tudo na vida.

A noção de democracia inteligente - nada platônica, nem impossível sempre foi praticada na nossa casa - sem a ditadura de que a maioria é que manda. Voto minerva das grandes decisões familiares, quando não havia o impasse de um empate, ela tinha a sabedoria de atender a todos, vencedores e perdedores. Bastando que se ajustassem as suas soluções sábias, todos eram atendidos plenamente. Parece que todas as mães são assim. Deveriam ser. Mas não é fácil, numa família grande e pobre, atender uma filharada exigente e, às vezes, materialmente carente (a caristia sempre rondou famílias como a nossa).

Lá se vão, quase nove décadas. O poder desta matriarca não está em ordenar, mas em sugerir. Não está em pedir, mas em confiar. Não está em querer, mas em realmente poder. Certamente, muitas, e muitas vezes, não foi ouvida, atendida, e infalivelmente foi magoada por essa prole a qual deu vida; prole que é infalivelmente uma preocupação permanente. A preocupação de como estamos, já que pensa que não pode mais nada fazer por nós. A preocupação de como vamos ficar, diante da possibilidade de nada mais poder fazer nós ser real. Quanto a nós (este é um plural majestático, mas que pode representar o pensamento de toda a prole), ela faria muito em não se preocupar conosco. Nos basta que se preocupe em aproveitar ao máximo que possa da vida, que, a cada ano, lhe rouba um pouco dos sonhos, da saúde e da felicidade de tudo que deveria ter e que sempre mereceu/merecerá ter. Sei que não tem como mudar um coração de mãe. Sei que não tem como mudar alguém que fez todas as concessões para manter essa família ao seu redor. E pior, sei que não temos competência suficiente para lhe dar, neste momento, a tranquilidade de que mais precisa; momento este, que precisa da nossa força para resistir ao cansaço que lhe toma o corpo e a alma. Parece que não temos nem a sensibilidade para lhe retribuir o universo de dedicação que nos ofertou pela vida toda. (Talvez sejamos como essas pessoas que pensam que encontraram a fonte da eterna juventude). Ser mãe é padecer num paraíso. O poeta que me desculpe, a vida é uma beleza, mas não é um paraíso. Certamente é porisso que as mães padecem...

Dia 16 de julho é aniversário da minha mãe. Da nossa mãe. Combinamos um jantar em família, ao qual não faltaram nem os filhos, netos e bisnetos, que vivem fora do Rio. O neto Rodrigo, sua Daniela e a Ana Cristina vieram de Curitiba; a filha caçula Maria Inês e Lara vieram de Porto Seguro, Bahia; a comadre Edith Terra veio de Campo Grande/MS; a nora Edna veio de Palmas-TO, e se juntaram aos que vivem na barra da saia da matriarca aqui no Rio: Alver (Nádia), Ailton (Edna), Miro (Lúcia Maria), Aloísio, Aldo (Maria Cecília), Tânia (João Muri), Cléa, os netos Danilo, João Marcelo, Vinicius, Érica, Alessandra (Luiz Felipe), Thiago (Ingrid), Maria Júlia (com Letícia), Joana , enfim metade da tribo (porque a outra metade ficou impedida de vir). Também não faltaram amigos (Ângela, Mary e Guto, Wilma, Márcia e Fillipi). A noite ficou menos gostosa pela ausência,embora justificada, dos netos e bisnetos Alver, Allan (Renata e Caio), Nívea (Alessandro, Naira e Hugo) e Bruno (Sandra Quintella). Para compensar, a noite teve um brilho especial: os récem-casados Bianca e Fábio Márcio, que haviam oficializado sua união à tarde, eram um presente para a avó da noiva.

ELA completou declarados 86 anos de idade. Talvez mais, não porque parece ser mais velha do que realmente é. Essa coisa de velhice é mais das adversidades do que propriamente do tempo. Os sofrimentos que enfrentou e muitos dos quais, que felizmente, superou, foram implacáveis com sua saúde. Nesses últimos seis anos, ela envelheceu repentinamente. Perdeu visivelmente o viço que ainda mantinham seus olhos atentos a tudo que rolava ao seu redor. Viver chegou a ser um peso para seus ombros e pernas frágeis, depois de um enfarto há cinco anos. Mais recentemente, os médicos lhe garantiam, um mínimo de mais dez anos de vida. Por conta disso, sua dieta passou a cerca de vinte drágeas diárias de remédios para o coração, a diabetes, hipertensão, a tremedeira e os tremores, etc. Um dia a pressão descontrola, outro a glicose sobe. Isto é uma preocupação constante e silenciosa de todos os filhos, aos quais ela dedicou sua vida inteira. Mas, dona Maria do Carmo continua dando às ordens com uma sugestão dita suavemente, com um gesto de carinho, com um sorriso indelével... e aguarda, com a confiança em que iremos nos tocar em algum momento...