sábado, 26 de julho de 2008

MEMÓRIA

Irmãos, amigos desde a infância

Itaqui-RS, 1955 - Saltamos do ônibus e a poeira avermelhada ainda em ebulição cobriu-nos por inteiro. Sol a pino e verão quente. Afastamo-nos com a pequena sacola, que era toda a nossa bagagem, tossindo e nos protegendo da poeira. Arcanjo, 4 anos, cerrou os olhos e virou o rosto para um lado, com o braço dobrado sobre a testa. Eu, 9 anos, abanei a poeira para poder enxergar melhor. Esperamos o ônibus ir embora, a poeira baixar e a visão melhorar para fazer o reconhecimento do local. Não era uma visão nova para nossos olhos, tínhamos atravessado as coxilhas de quase todo o Rio Grande, quando nosso pai fora transferido de Pelotas para Uruguaiana. Foram dois dias de viagem, cortando os pampas no trem noturno, debaixo do Minuano, frio seco que sopra no inverno, e vislumbrando deslumbrados as paisagens enquanto a claridade permitia. Mas estar agora, ali no estradão, na segunda viagem que fazíamos juntos, desta feita, somente os dois, era uma emoção diferente. Como a experiência de atravessar o rio Ibicuí numa balsa. Todos os passageiros tinham que desembarcar. Havia a preocupação, um com o outro, de não nos perdermos durante essa baldeação e a confusão de gente, carros, caminhões e o nosso ônibus.
Agora, apenas duas léguas de campo verdejante afastavam-nos do estradão e da pequena casa de barro e sapé. Já, mesmo sem a poeira, mal dava para distingui-la ao lado do grande galpão de alvenaria com um apartamento (a modernidade já tinha chegado à velha estância, onde meus avós moravam e sobreviviam como peões-caseiros). Dois cavalos encilhados e amarrados na porteira, com soféu comprido pastavam indiferentes ao resto do mundo. Tínhamos que pedir auxílio ao compadre dos nossos avós, que morava do outro lado da estrada – o estradão cortava a estância em duas enormes áreas para criação de gado ovino e, especialmente bovino – e ele, o Compadre, era uma espécie de porteiro. Precisávamos que ele segurasse os cavalos e nos auxiliasse na montaria. Tínhamos menos de metro e 20 cm de altura e dificilmente montaríamos sozinhos, uma vez que nunca tínhamos chegado perto de cavalo algum.

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