domingo, 1 de julho de 2007

SAUDADE É LEMBRANÇA DOÍDA

1."Sabei-lo", como diria Álvaro de Azevedo, a lembrança é saudade gostosa. Estive na nova taverna, La Fiorentina, que fica na avenida Atlântica - onde Copacabana chama-se Leme, a boêmia era romântica e a violência passava ao largo. Aconteceu o seguinte: senti uma saudade danada, daquele tempo. O La Fiorentina era templo dos artistas e intelectuais - cujos sobreviventes figuram em nomes rabiscados nas colunas que sustentam o novo, iluminado e espaçoso restaurante. Eliana Pittman, Carlos Leonam, Ulisses Cruz, Martinho da Vila, Billy Blanco lá estão em assinaturas - que vejo de onde estou, - quando não, lá estão nominando pratos, ou ainda, em carne e osso. Bateu saudade do antigo La Fiorentina. Doeu-me algumas lembranças. Saudade é lembrança doída. Fez reaparecerem todos fantasmas que se agitam no âmago da noite grande, porque na verdade eles não abandonaram as mesas da/do Fiorentina, até porque, como diz o poeta maior Luís Pimentel, "os que bebem o sereno não padecem de azia" (no livro "O Calcanhar da Memória"- poema "Central do Brasil" - pág. 33 - ed. Bertrand Brasil).

2. Flash back. Na mesa de canto na esquina da varanda, Edu da Gaita devora mais um cigarro (deve ser o terceiro maço do dia ou o primeiro da noite que ainda é criança). Foi Radamés Gnatalli quem fez o arranjo de "Moto Perpétuo" para harmônica e orquestra, que levou a gaita de Edu aos palcos internacionais mais sofisticados; ao seu lado, o jornalista Gilmar Torres - que me levou para o velho "Diário de Notícias" contanto suas histórias e piadas; Adonis Karan, o homem dos festivais de Carnaval e universitários (ainda na Tupi), com um enigmático sorriso e atento aos papos; Wagner Montes, com sua taça de vinho, oferecendo um copo a mim e à radialista Ivone Motta - abre parênteses: "Seco ou suave, o amor é uma taça de poesia" ( "O Calcanhar da Memória" de Luís Pimentel - "Brinde" - pág. 21 - ed. Bertrand Brasil), fecha parênteses - e falando do seu sucesso na Rádio Petrópolis onde começou carreira; a bela Ana Paula e Wilton Franco (diretor de sucesso com "Essa gente inocente", "Os Trapalhões" (ambos na Tupi e depois Globo) e "Aqui e Agora" (SBT); Daniel Filho, Jece Valadão, Norma Benguell, Ana Maria Kryesler , Michele Naili, Chico Anísio, Soninha Montenegro, Dedé Santana, Mauro "Zacarias" Gonçalves, Waleska, Cláudio Cunha, Simone Carvalho, o genial Glauber Rocha, Fernando Resky, Alcione Mazzeo, Hugo Carvana, Denise Bandeira, Carlos Imperial e suas lebres, o elenco de suas peças... enfim, cineastas, escritores, diretores de teatro, artistas e jornalistas do primeiro, segundo e até terceiro time (até porque, vivos e mortos, todos merecem um pedacinho do céu) iam ao La Fiorentina para verem e serem vistos ...

3. Haroldo, o recepcionista, que conheço de priscas eras (estamos falando de passado) pergunta por Roy Sugar e Sieiro Netto (dois saudosos amigos colunistas de quem fui colaborador). Ele comemora o sucesso atual da casa, uma vez que a nova clientela - não menos bonita, porém menos barulhenta - pede um champanhe em vez de coca-cola. Na entrada da nova casa, dois belos leões-de-guarda - que não lembro se são daquele tempo, e no calçadão, uma estátua, esta sim recente, de Ari Barroso, estão lá vendo o tempo passar...

4. O cardápio do La Fiorentina homenageia seus habituais freqüentadores, assim se pode saborear delícias batizada como o nome deles: que tal abrir os "trabalhos", como diria Roy Sugar com uma "Calabresa acebolada Arthur Proener", acompanhada do "Couvert Buza Ferraz" - pizza branca, torradas, focaccia e bolinhas de manteiga; e fui mais além, pedi "Camarão ao alho e óleo Max Nunes", tudo pra acompanhar o chope tirado na medida (dois dedos de colarinho). Fiquei nisso, mas tem as saladas à Camila Pitanga, Ana Cristina Reis, Ricardo Boechat, as pizzas à Scarlet Moon, Márcia Peltier, Adriana Lessa, Rodrigo Santoro, as massas alla Ana Paula Arósio, Ancelmo Góes, Maitê Proença, Nelson Hoineff, Anna Maria Ramalho, os risotos à Tônia Carrero e Debora Falabella, enfim um monte de gente conhecida, bonita e inteligente e alguns dos quais sou fã, nominando as delícias vindas da cozinha. O cardápio, em forma de jornal, em papel reciclado, é para o cliente levar para casa. Traz notícias culturais. Foi bem!

5. Enquanto aguardo o táxi da minha fiel escudeira das noites boêmias, Alba, que me leva para casa, são e salvo, a saudade - essa lembrança doída, bate mais forte. Cantarolo pra mim mesmo (assim não cometendo a maldade de, em desafinando, ferir ouvidos próximos e alheios), "A noite do bem meu bem" - de Dolores Duran e Antonio Maria, a quem lamento não ter conhecido, - seguem-se, automaticamente, "Modinha" e "Naquela mesa" de Sérgio Bittencourt - jornalista, poeta e boêmio que gostava mais do chique Monte Carlo (quase ao lado do Copa), mas morava no Leme, e depois vem à memória a melodia e os versos de "Hoje" de Taiguara, que fez da boate Fossa (no Lido) sua trincheira contra a Redentora... e traído pela saudade, as lágrimas chegam furtivamente e afogam as meninas dos meus olhos, perdidas na imensidão enluarada da madrugada vadia...

6. Como diz o poeta Luís Pimentel, "a memória guarda mais prantos que os cemitérios" (no livro "O Calcanhar da Memória" - poema "Sepulturas", pág. 53, ed. Bertrand Brasil). A propósito, lançado na livraria DaConde, em noite deliciosa, com outro poeta - Salgado Maranhão - lendo os poemas do Pimenta.

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