sábado, 21 de julho de 2007

A vida é bela!?...

...mas, às vezes, machuca a alma da gente, de saudade. Ao longo dos seus 59 anos, o Barão do Fragata derramou muitas lágrimas, muito mais de felicidade, do que de tristeza... embora tenha feridas, que continuam abertas e doendo dentro do peito... que acredita não cicatrizarão nesta existência. Sabe que outras feridas poderão ser abertas até o fim de sua existência, é função do destino que segue e, por isso mesmo, sua trajetória é naturalmente previsível.


2. Quando era criança em Pelotas, cidade onde o barão também tem passagem de vida que contarei adiante, - viveu o melhor Natal de sua infância.
Em 1945, a família do barão chegou à terra do pêssego, plantada às margens da Lagoa dos Patos – a maior do país como se aprende nos livros de geografia, já no primário. A cidade ficava longe das águas salgadas do Laranjal, a praia mais freqüentada da lagoa. Um dia o pai pegou a família embarcaram num ônibus velho e lá foram passar o domingo na praia. As ondas eram gigantes para o guri. Possivelmente, mal comparando, seriam marolas diante de uma onda dessas que os surfistas perseguem no Hawaí ou Austrália. Uma vez que, até hoje, nunca soube de surfistas que buscassem pelas “ondas gigantes” no Laranjal. Mas, na impressão do guri ficou a imagem do gigantismo das ondas que poderiam engolir a cidade inteira. Felizmente, morava bem longe da praia.
3. Praia para lá, Laranjal para cá, em casa tinha um grande pomar. O terreno era dividido por duas cercas; na frente ficava um jardim e o imóvel, logo em seguida; na parte seguinte, ficava a horta (em todas as casas em que moravam, o pai sempre providenciava uma, na qual não faltava alface, couve, cheiro verde, tomate e outras verduras e legumes da estação. Obviamente, que para algumas dessas plantas os guris faziam cara feia para comer, como acontece com todas as crianças em qualquer lugar. Nesse espaço, tinha também um cercado para as galinhas... era infalível. Por último, o pomar, com muitas laranjeiras, pés de bergamotas e... pêssegos. Pelotas é a terra do pêssego. E do doce. De pêssego.

Na lateral, em todo o comprimento da casa, uma bela parreira se esparramando sobre o caramanchão, formando uma bela sombra. No verão, a parreira ficava cheinha de uvas pretas e brancas, bonitas, cheirosas que davam água na boca. Após o almoço, o cabo-professor pegava uma bacia grande, com água, ia rebentando penca por penca, até encher o vasilhame com enormes cachos carregadinhos de uvas, o suficiente que todos comessem até se fartar, ali mesmo sob a sombra da parreira... os mais velhos sentados em cadeiras, e a gurizada nos bancos....

4. O barão lembra um dia. Era véspera de Natal de 52, a família toda reunida debaixo da parreira, depois do almoço, saboreando diretamente do pé, as uvas... Inesperadamente chega um grupo de visitantes, do Instituto Salles Goulart, do qual o cabo era aluno-e-professor, que manda um dos guris abrir o portão... Com um “adelante”, o colega-aluno-professor convidava a todos para se juntarem à família. O cabo-professor, ou vice-versa, sempre gostou de receber visitas... quando não muito tinha um chimarrão para oferecer... ali e aquela ocasião, tinha uvas... Cadeiras para todos, a bacia de uvas a alcance de todas as mãos. O professor-aluno tinha uma diplomacia que lhe era natural... tinha sorrisos de boas-vindas e assunto para manter todos a sua volta... Os visitantes chegaram cheios de embrulhos. Não lembra o barão de curiosidade, por parte dos guris, com relação aos pacotes... mas o conteúdo logo encheu os olhos e o coração dos guris de felicidade... Eram carrinhos, carrocinhas, trenzinhos artesanais, de madeiras e coloridos, que os colegas do professor-aluno traziam para eles... Sei que distribuídos os presentes aleatoriamente os guris esqueceram as uvas – que lá estariam penduradas esperando serem consumidas a qualquer tempo e hora, e sumiram pelo pomar para brincar com os regalos que ganharam. O barão tem esse como o primeiro Natal que tiveram presentes, diríamos, de loja, embora artesanais.
5. Ailto, 5 anos, o barão, 4, e Aloísio, 2, com seu problema de surdez por conta de uma trovoada que lhe tirara o sentido da audição – Arcanjo ainda era bêbe - sempre tiveram caminhões e carrinhos feitos pelo irmão mais velho, Alver, 9, um habilidoso desenhista, que chegou a fazer curso de desenho por correspondência. Mas também era bom em trabalhos manuais e todos os presentes que tinham, até então, foram confeccionados graças à vocação, ao talento e à boa vontade do velho irmão. Talvez nunca tivessem feito justiça a essa sua generosidade, mas certamente ele, com sua sensibilidade artística, também apreciou os carrinhos de brinquedos de madeira, com ripinhas verdes e vermelhas, que os colegas do professor-e-aluno do Salles Goulart, presentearam-nos... O barão lembra que o irmão veterano catava caixas de marmelada para fazer a carroceria, com toco de saibro tinha o motor, com pedaços do cabo de vassoura, os eixos, das latas de sardinhas, a cabine, e as chapinhas de refrigerantes eram para enfeitar... as rodas, o guri não lembra de que eram feitas...
A paixão do veterano irmão é coisa viva até hoje. Formou-se em administração... circunspecto, amadurecido à força, não brincava com os guris... tomava conta de, fazia os brinquedos para, levava todos ao cinema, sai para vender quitutes no quartel, sempre com a responsabilidade de cuidar dos menores... nunca perdeu a sensibilidade para o desenho e para as artes manuais... Depois, os aviões passaram a ser sua grande paixão... encomendava o material pelo correio e montava belos modelos...colecionava figurinhas de aviões...empolgava-se com os modelos futuristas... Hoje, paga um tributo, como contribuinte-colaborador, para integrar a associação dos admiradores de aviões e mais do que isso, é voluntário, como responsável pelo setor de aeromodelismo, no Museu Aeroespacial dos Campos dos Afonsos no Rio de Janeiro...
Rio, 22/02/04

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